segunda-feira, 6 de junho de 2011

Religião e violencia contra nas mulheres

Quando a violência contra as mulheres é uma questão "religiosa", "legal" e de "honra"



Por Joan Chittister, OSB


Pois bem, agora já vimos com os nossos próprios olhos. E então?
A fotografia da menina nua a gritar por uma rua no Vietname, tentando fugir a um ataque com gás napalm comoveu os americanos e foi como o ponto de partida para os protestos contra a guerra do Vietname. Pela primeira vez, podíamos ver com os nossos próprios olhos o que estava a acontecer naquele canto do mundo, aonde o deus da Guerra nos tinha levado.
Depois dessa fotografia ter sido publicada em quase todos os jornais, tornou-se muito difícil arranjar desculpas que justificassem essa guerra. Tornou-se muito difícil glorificar o serviço que estávamos a fazer a essa pessoas. Tornou-se totalmente impossível congratular-nos pelo que estávamos a fazer às pessoas dum outro país. Tornou-se totalmente impossível aplaudir os grandes sacrifícios que estávamos a fazer para destruir esse país.
A poesia da guerra tinha sido particularizada nessa menina em todo o seu horror, em todos os seus excesso, em toda a sua incongruência.
Agora temos que nos debater com outra imagem.
Esta rapariga tem 17 anos. Está a ser morta à pedrada, meia-nua, pelos homens duma aldeia iraquiana por se ter apaixonado por uma rapaz que professa outra religião. E enquanto isto acontece, outros homens estão a divertir-se e a tirar fotografias com os seus telemóveis. A polícia, ao lado, nada faz, enquanto homens estão a matar e a desonrar uma mulher para, dizem eles, restaurar a sua honra.
No final das notícias da televisão, a rapariga já não está a contorcer-se. Está morta. E nem um só homem fez algo para parar este homicídio.
Muitas pessoas ficaram caladas perante o que tinha acontecido.
Mas nem todas.
Milhares e milhares de mulheres, por todo o mundo, estão a gritar "Parem com essa barbárie!"
O único problema é que as mulheres estão a gritar há décadas: Parem de olhar para o lado quando as mulheres estão a ser agredidas e violadas. Parem de nos pagar menos pelo mesmo trabalho que fazemos como os homens. Parem de tomar decisões em nosso nome sobre a nossa vida. Parem de nos dizer como deve ser a nossa relação com Deus e comecem a perguntar-nos como achamos que ela deve ser. E parem de nos assassinar pelo vosso belo prazer, pela vossa honra, como nós fossemos propriedade dos homens, e comecem a reconhecer-nos pelo que somos.
Yanar Mohammed, presidente da Organização pela Liberdade das Mulheres no Iraque, falou numa entrevista sobre as consequências desta guerra para as mulheres e que pode ser lida em whrnet.org/docs/interview-yanar-0603.html.
O rol dessas consequências já vai longo: há cada vez mais mulheres sem abrigo, sozinhas, desamparadas, violadas e agredidas. Os campos de refugiados são até mais perigosos do que as ruas.
A maioria das mulheres iraquianas são as vítimas, as presas da violência.
A 19 de Maio passado, numa entrevista dada à CNN, Yanar Mohammed, salientou que o número de crimes de honra no Iraque aumentou a olhos vistos desde a invasão do país pelas tropas aliadas. Há dez anos atrás, não havia mortes por crimes de honra.
Pressionada pelo jornalista da CNN para explicar a diferença, Yanar Mohammed foi direita ao ponto: "Alguém chegou ao nosso país vindo do exterior e deu-nos democracia. O problema é que a nova democracia é islâmica e não laica".
E exemplificou: agora grupos de homens batem à porta e dizem:"Isto é um bordel e matam todas as mulheres que ali encontram. Isto é sectarismo, disfarçado de religião".
A situação é muito pior do que parece. Com as alterações na Constituição iraquiana, foram eliminados os artigos que protegiam os direitos da mulher. Agora a discriminação das mulheres é "questão de honra", "religiosa", legal.
Na nova Constituição vem escrito que "A Sharia islâmica foi considerada a fonte da legislação". Isto mata automaticamente décadas de lutas das mulheres no Iraque. É um enorme retrocesso na luta pelo estatuto da mulher e tornou o Iraque num país governado pela religião. Com o actual governo, as novas leis da família legalizam a poligamia, o apedrejamento de mulheres por adultério e o apartheid sexual. Os primeiros resultados já estão bem à vista. O actual governo de Al Jaafari aprovou até uma lei a favor da segregação dos sexos nas universidades.
Claro que nos sentimos tentados a dizer qualquer coisa como "Sabem como é essa gente" ou "Que religião é essa?"
Mas cuidado, pianinho: não foi ainda há muitos anos, aqui nos Estados Unidos, que, quando uma estudante engravidava, tinha de deixar a escola e não a podia acabar. Por outro lado, os rapazes que as engravidavam podiam continuar na escola. Nunca dissemos nada contra esta situação. Afinal, era também uma questão de honra, não era? A honra deles, dos rapazes, não a honra das raparigas.
Essa reacção era também uma espécie de apedrejamento.
Não ainda há muitos anos, esses mesmos rapazes abandonavam as raparigas e os seus bebés, não faziam provas de paternidade, não lhes davam apoio financeiro - enquanto as raparigas e os seus bebés ficavam sós, banidas, discriminadas, muitas vezes na pobreza. Infelizmente, uma situação que ainda acontece nalguns estados americanos…
Isto é também uma espécie de apedrejamento.
Hoje em dia, as mulheres americanas têm acesso a muitos empregos, mas, ao contrário do que acontece noutros países, não têm acesso a creches e infantários estatais.
Isto é também uma espécie de apedrejamento.
O apedrejamento de Dua Khali Aswad, de 17 anos, não é um assunto de mulheres. É um assunto que diz respeito a toda a humanidade. É o indicador mais baixo duma sociedade que dá todos os privilégios aos homens e os retira às mulheres.
Na realidade, isto é mais um assunto de homens do que de mulheres. Estas situações desonram os homens - não as mulheres. Desonram os governos que se dizem muito honrados. Desonram os homens que ficam de braças caídos sem nada fazer quando à sua frente uma mulher está a ser apedrejada. Desonram as religiões que se atrevem a justificar os apedrejamentos em nome de Deus.
Já é tempo dos homens se levantarem contra esses sistemas, de pararem de se esconder atrás das mulheres que arriscam as suas vidas para salvar outras mulheres, de pararem de classificar um assunto humano como um assunto de mulheres.
Já percebi tudo. Não é só necessário haver mulheres corajosas. Precisamos também de homens com uma consciência livre, se queremos que a raça humana se torne verdadeiramente humana.
(1) - Este artigo foi publicado no portal www.beliefnet.com
A Laços agradece a autorização dada para o reproduzir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário